A VIAGEM DA MINHA VIDA

A viagem da minha vida traduz-se nestas imagens. 

                             

                           

Sou ainda uma novata nesta coisa das viagens e, dos poucos lugares onde tive o privilégio de estar, São Tomé e Príncipe foi sem dúvida e de longe o mais especial e foi por isso, a viagem da minha vida.

Decidi a minha ida em apenas duas semanas. Quando tomei essa decisão, para um mês de estadia, não sabia da burocracia e regulamentos a que tinha que responder, desde o visto que nem sempre é rápido de conseguir como a consulta e vacinas no Instituto de Medicina Tropical. 

Quando decidi ir, confesso que me senti a atirar um bocado (ou totalmente) de cabeça para o desconhecido. O único contacto que tinha de São Tomé, eram as Irmãs Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora em STP. Uma das irmãs, a irmã Felismina, já tinha estado em minha casa duas ou três vezes e, os meus pais, também já tinham estado em casa das irmãs em STP. 

As irmãs dirigem uma missão em Guadalupe, no distrito de Lobata, no norte do país e vivem muito de ajudas de patrocinadores, mecenas, apadrinhamento de crianças e amigos. Nós, somos amigos, e em tudo o que podemos, ajudamos sempre as irmãs, seja com recolha de bens para enviar para lá, seja com recados de lá para cá e eu mais especificamente com design e trabalhos manuais. 

Voltando à minha ida ás escuras, a única pessoa que eu conhecia era a irmã Felismina. Enviei-lhe um e-mail a perguntar qual era a disponibilidade para me receberem na casa, fiz as malas e fui. Fui um mês sem olhar para trás. Toda a gente me perguntava se estava contente por ir e se não temia nada e eu mantive sempre a minha postura de independente e durona. A verdade é que, claro que estava nervosa, mas era um misto de sensações. Nestas coisas sou um bocado inconsciente e não penso muito no que vou encontrar, se me vou chocar ou não, se estou preparada para ver uma realidade completamente diferente da minha, no fundo isso também me estimula. Prefiro não ir com muitas expectativas e ir e descobrir por mim mesma. E fui com impressões muito diferentes daquele país, as melhores e as piores.

Cheguei a S. Tomé no dia 29 de Junho de 2012. À minha espera no aeroporto, estava a irmã Felismina e o seu Toyota branco. Companheiro de muitas aventuras. Devia ser umas 08h00 da manhã mas lá fora a agitação era como se fosse meio-dia. A irmã, toda despachada que é, pegou-me logo na mala e deu-me logo o telefone dela para eu ligar aos meus pais e João para saberem de mim (sou tão inconsciente que me mandei um mês para S.Tomé sem me informar se o meu roaming funcionava lá, sabendo que havia uma grande restrição de chamadas na casa para onde ia, para além de que é caríssimo).

Cheguei a casa das irmãs onde, à nossa espera, estava a irmã Joaquina e a imã Rosa que me receberam de braços abertos e com um óptimo pequeno-almoço. Nessa altura, comecei a sentir alguma quebra mas não sabia se era energia por não ter dormido na viagem ou se era do calor e fui para o quarto desmanchar a minha mala. O quarto, gentilmente cedido pelas irmãs, era o quarto principal da casa - o da provincial, o que me fez sentir super honrada, só não sabia era o que me esperava à noite.

O quarto era no primeiro andar, virado para a rua - principal - de Guadalupe. Para além disso, um dos bares mais movimentados da cidade, era exactamente em frente à casa das irmãs, o bar do Tério e o bar do Tério não tinha hora certa para abrir nem para fechar. E sempre que o bar do Tério estava aberto, tinha música (kizomba) aos altos berros, a tocar, que quase se fazia ouvir em São Tomé, capital. O bar do Tério, não só tinha música aos altos berros a tocar, como o repertório era quase sempre o mesmo. Cinco músicas. O bar do Tério, abria normalmente ás 08h00 da manhã e fechava portas por volta da meia-noite/01h00 (isto para STP, é como se fossem 06h00 da manhã em Portugal). Tudo isto, juntando à minha dificuldade natural em dormir e com os 30 e muitos graus que se faziam sentir naquela altura, mesmo à noite, fez com que nunca mais me esquecesse do Tério e do seu bar. Mais, quando voltei para Portugal, pedi mesmo à irmã para pedir ao Tério as músicas e assim foi! Pensei que sem isso não adormeceria nos próximos tempos durante o meu regresso.

Os meus primeiros dois dias não foram fáceis. Em dois dias acumulei o choque da realidade que estava a viver, a falta de água (que nós mesmo assim tínhamos, racionada, ou seja, durante o dia, as irmãs fechavam a bomba e só podíamos abrir à noite para tomar banho e muito rápido), pouca electricidade (na rua não há e em casa andávamos de lanterna a maior parte do tempo para minimizar custos), higiene (fora da casa), um cheiro que na altura achei indiscritível, de mau e diferente que era mas que passou a ser parte do meu dia-a-dia e ao qual me acostumei e que hoje em dia sei que é único e ainda o facto de não conseguir falar com o João e pensar que ia ficar assim durante um mês. Para além das saudades, sentia-me um bocado culpada por me ter vindo embora "assim" e pensei que ia ficar incomunicável mas rapidamente solucionámos o problema. O skype, ainda que a internet em casa das irmãs seja muito rudimentar, foi suficiente para dar notícias e ajudar a matar as saudades.

 

Os meus dias em STP, começavam ás 07h30, hora do pequeno-almoço com as irmãs, a Diana, uma amiga e voluntária que também lá estava e a Paula, outra voluntária. As irmãs acordam ás 06h15, ás 06h30 vão à missa, à vinda da missa compram o pão e tomam o pequeno-almoço juntas ás 07h30 e quem estiver naquela casa tem que cumprir os horários. Tomado o pequeno-almoço cada uma vai à sua vida. A irmã Joaquina costuma ficar mais por casa mas também dá apoio aos idosos e aulas de costura. A irmã Rosa é enfermeira e responsável pelo centro de saúde de Guadalupe e anda sempre a correr entre casa e o centro de saúde que é ao lado de casa. A irmã Felismina é quem trata da parte burocrática com ministérios e embaixadas e é a responsável pelo ATL.

As irmãs são responsáveis pelo ATL de Guadalupe. Este projecto surgiu para retirar as crianças da rua, incentivá-las a estudar, ajudá-las a chegar mais longe e tentar que tenham um futuro melhor. 

Para além disso, as irmãs acolhem na sua casa, cerca de 25 raparigas dos 8 aos 18 anos, provenientes de famílias com fracos recursos económicos e sociais ou que vivem longe e não têm acesso fácil à escola desde as suas casas. Estas meninas, são como se fossem filhas das irmãs.

Quando eu estive lá, coincidiu com o início das férias de verão dos meninos, mas o ATL, continuava em funcionamento e havia aulas de apoio de várias disciplinas. Os meus dias durante a semana eram passados ou a acompanhar a irmã Felismina na parte burocrática e nas idas à cidade, o que demorava sempre uma manhã inteira, ou a dar apoio no ATL ou nas aulas de informática (aulas estas que normalmente ficavam a meio por causa da energia que ia abaixo).

 

Fartei-me de conhecer pessoas super queridas e interessantes. Muitas histórias, muitos sorrisos e fartei-me de receber!! Pensamos que quando vamos para um país destes, somos nós que deixamos alguma coisa mas, na verdade, são eles que nos dão tudo sem  tão pouco se aperceberem.

 

Graças ás irmãs e ao seu Toyota, conheci o país de uma ponta à outra. É verdade que não é grande mas tem imensa coisa para ver, desde as roças e suas histórias como a parte do interior, a floresta densa espectacular, as cascatas e as praias lindas e maravilhosas.

Toda a gente tem qualquer coisa para partilhar connosco e se nós estivermos dispostos a receber, sentimo-nos muito recompensados. Os santomenses são pessoas maravilhosas, sempre com um sorriso na boca e uma simpatia contagiante.

 

As crianças é o que se vê nas fotografias e muito mais. Apetece trazê-las todas connosco. São super carentes de mimos e estão sempre prontas para um abraço.

 

A comida, foi outra das coisas à qual tive que me habituar. As irmãs adaptam a sua alimentação aos produtos que têm à mão e que existem no mercado, como o peixe seco, a banana e a fruta pão. 

Eu estava aberta a mudanças e até acho que as acolho bem mas confesso que estranhei imenso estes alimentos ao principio mas no fim era só isto que queria comer todos os dias. Estava sempre à espera de quando o almoço ou jantar ia ser fruta pão com molho de peixe. É maravilhoso e não sei como descrevê-lo, só mesmo provando. É um sabor totalmente diferente do que nós, portugueses estamos habituados. Tive a honra de o meu jantar de despedida ser esse, feito por uma santomense genuína, a Lizete, uma das meninas que vive em casa das irmãs durante o ano e é muito, muito querida.

 

Em contrapartida, fartei-me de comer fruta tropical maravilhosa. Tínhamos cajamanga (a manga de lá) e mamão em casa como quem tem pêras e maças. Era um verdadeiro fartote e é por isso que apesar de haver tanta pobreza naquele país, não há crianças subnutridas. As crianças são umas verdadeiras sobreviventes e, sempre que têm fome, mesmo que estejam no meio da rua a brincar, em vez de irem a casa, sobem a uma árvore para apanhar uma banana ou uma cajamanga e ficam deliciadas.

 

São Tomé é um misto de emoções para mim. Adorei ter conhecido aquele país e de ter vivido a experiência de viver em casa das irmãs. As irmãs tornaram-se minhas amigas, minhas confidentes e companheiras de muitas aventuras e os meninos de Guadalupe são como um filho para mim e, não há um dia que passe em que não me lembre deles ou não me preocupe se estão bem e como estão. A internet é uma boa amiga e graças a ela, hoje em dia é fácil comunicar de lá para cá e de cá para lá.

 

Depois de um mês em STP, vim-me embora muito mais feliz e preenchida e com muita vontade de lá voltar! É uma viagem e uma experiência únicas que aconselho a qualquer pessoa!! Praias incríveis de água quente, paisagens de cortar a respiração, pessoas espectaculares, floresta densa com milhares e milhares de frutos e árvores para conhecer, histórias de roças incríveis e uma comida MARAVILHOSA!!!

 

É por isto e muito mais que São Tomé e Príncipe foi a viagem da minha vida!

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